Recentemente em sua coluna na Bloomberg Opinion, o economista Tyler Cowen propôs a discussão: se você pudesse começar uma instituição de ensino superior do zero, como ela seria?
A seguir vou listar os pontos trazidos pelo autor, de forma resumida, e em sequência contrapor com as minhas ideias, concordando ou não com este. Ressalta-se, naturalmente, que Tyler é professor de economia na George Mason University, e que, portanto, sua visão de uma instituição de ensino vai ser evidentemente diferente da minha, mas o conflito de ideias é fundamental, pois não há nem deve haver uma só maneira de enxergar a educação no mundo.
Antes de iniciarmos, como bem coloca Cowen no início de seu texto, precisamos deixar de lado quaisquer desafios financeiros, legais e contratuais de lado, afinal a discussão não é essa. Tendo o feito, seguimos a Universidade.
Tyler inicia dizendo que os estudantes deverão ser capazes de escrever muito bem, ter um entendimento básico sobre economia e políticas públicas e um conhecimento razoável sobre raciocínio estatístico. Para ele, a média mínima necessária deverá ser “B”, ou nos padrões com os quais mais estamos acostumados, entre 80 e 89%. Inclui, ainda, que aqueles que corrigirão as provas e trabalhos dos alunos não deverão ser os mesmos que os ensinam, ou seja, seus professores não poderão corrigir suas provas, pois desta maneira, os estudantes deverão adquirir um conhecimento geral sobre o assunto determinado, e não somente decorar o que será cobrado naquele exame.
Quanto a esse primeiro ponto concordo integralmente com o autor. Vejo que falta em muitas pessoas, das mais diversas áreas e com os mais amplos estudos, um conhecimento básico de economia, estatística e políticas públicas. Ao meu ver, essa falta de conhecimento ficou-se escancarada durante a atual pandemia da Covid-19, onde muitos, inclusive e talvez principalmente autoridades, demonstraram enormes dificuldades de lidar com quaisquer estatísticas de estudos, um desconhecimento enorme sobre princípios básicos econômicos e extrema ineficiência na aplicação de políticas públicas. Para resolver esse problema, vejo que seria necessária uma revitalização dos ensinos anteriores ao superior, já que em nosso país é incomum vermos nos currículos escolares matérias que tratam destes assuntos.
Quanto à média proposta pelo autor, na minha Universidade ela seria a partir de “C”, ou pelo menos 75%. Embora uma média mais alta provavelmente selecione melhor os alunos, vejo que são muitos fatores que podem contribuir para o mal desempenho em uma ou mais provas e trabalhos, e, portanto, requerer uma média tão alta, pelo menos desde o início da instituição, seria selecionar demais.
Sobre a ideia proposta de quem corrigir não ser o mesmo que ensinar, tenho extremo apreço por essa novidade, desde que os corretores sejam também empregados pela Universidade. A ideia é fenomenal, pois requererá que os estudantes estudem diversos pontos de maneiras amplas sobre um determinado assunto, e não apenas da maneira que o seu professor o ensinar. Vejo isso como um problema, já que não teremos somente aquele mestre durante nossos estudos, e até o mais básico dos assuntos possui diversas opiniões e versões sobre, e estudar um grupo seleto destes é extremamente prejudicial.
Em seguida, Tyler propõe que cada aluno terá o equivalente a uma página de certificação do GitHub. Nessa, se você aprender três linguagens de programação, por exemplo, tal feito apareceria na sua página como um certificado, embora isso não pudesse contar como crédito a sua formação, ou seja, alguns estudantes poderiam graduar com elevadas estimas sem ter muitas “conquistas” em sua página, ao passo que outros poderiam ter diversos prêmios e não graduarem summa cum laude.
Neste último ponto gosto bastante da ideia proposta, mas faria alguns ajustes. Ao meu ver, os certificados e prêmios seriam advindos de publicações e estudos científicos feitos pelos estudantes, e estes poderiam trazer benefícios concretos a quem os conquista. Diferentemente de Tyler, vejo com bons olhos um aluno receber créditos em determinadas matérias se o trabalho publicado por ele tiver repercussão no meio ou for bem avaliado por um grupo de professores, que poderiam até ser empregados pela Universidade. A ideia aqui é incentivar a pesquisa científica desde o início da formação acadêmica, com foco naqueles que não sabem que têm interesse na produção de artigos até que são expostos a estes. Com um sistema de recompensas bem trabalhado e eficiente, teríamos sempre diversos interessados na produção acadêmica.
A seguir, o autor expõe que sua universidade não teria um staff muito grande, nem mesmo times esportivos. O foco, para ele, seria em maiores investimentos nos melhores professores. Haveria, também, diversas aulas de humanidades, visando, prioritariamente, em ajudar os estudantes a aprenderem a escrever bem, e os tópicos a serem abordados pelos alunos seriam desde Dante até hip hop. Além disso, os matriculados em sua instituição teriam a opção de morar ou não nas dependências da escola.
Aqui concordo e discordo de algumas coisas. Quanto ao maior investimento em professores e menos em staff (leia-se coordenadores, assistentes de reitores e assistentes dos alunos), concordo integralmente. Os investimentos seriam focados integralmente no que os alunos realmente necessitam, e é aqui que começo a discordar do autor. Ao meu ver, o investimento em esportes é fundamental, seja em países que sempre dominam boa parte das conquistas nas maiores competições esportivas do mundo (EUA), tanto em países que mesmo com investimentos e/ou uma grande e interessada população tem dificuldades nestes eventos (Brasil). Outrossim, o esporte pode fazer com que mais pessoas consigam entrar nas universidades e ter uma educação de qualidade, o que deve ser o foco destas instituições. Na minha universidade, o esporte não é prioridade, mas teria uma parcela significativa dos investimentos.
No quesito de aulas focadas no ensino da escrita, devo concordar integralmente com o autor. Obrigar os estudantes a escreverem sobre tópicos fechados, sejam eles pertinentes ao seu currículo ou não, é diminuir a vontade destes de escrever e desestimular a escrita, não há necessidade. Assim como na leitura, é preciso antes ler/escrever sobre o que gostamos até que gostemos de ler/escrever, o estímulo deve partir daí. Além disso, não há dúvidas que temas "diferentes" como o hip hop poderiam trazer inúmeras contribuições para temas mais comuns na sociedade.
Por fim, sobre morar ou não no campus, mantenho a posição do autor. Não é prática comum no Brasil que os estudantes morem nas dependências da faculdade, mas é algo para qual eu destinaria alguns recursos. Por ser opcional, seriam recursos limitados, mas que vejo como importantes para aqueles que vêm de fora e teriam dificuldades em encontrar moradias a preços justos e praticáveis.
No próximo parágrafo, Cowen opina que os professores não teriam mandato vitalício, mas teriam, entretanto, que competir por estudantes, oferecendo-os aulas e serviços que os ajudariam a graduar e melhorar a qualidade do diploma recebido. Os professores seriam compensados com base no número de estudantes que esses atrairiam, numa maneira que Adam Smith sugeriu quando viveu em dito sistema no século XVIII na Escócia.
Nesse sentido discordo veementemente de Tyler. A ideia, na teoria, é excelente, afinal a competição leva ao progresso e esse sistema deixaria tanto os professores quanto os alunos motivados. O problema, ao meu ver, é que na prática, os professores mais bem recompensados seriam os mais carismáticos. Sim, ainda que os professores teriam que oferecer algo que beneficiasse os estudantes, em minha opinião veria uma oferta semelhante, com os que mais atraíssem sendo os que mais agradassem os estudantes. Talvez, com regras restritas, o sistema já proposto por Adam Smith possa funcionar, mas tenho receios.
Em contrapartida, em minha universidade não haveria essa competição por alunos estimuladas aos professores. A ideia aqui seria trazer os melhores alunos e mestres para a instituição, e, por um sistema de escolha livre dos alunos, estes escolheriam quem os ensinaria determinado assunto. Os professores, contudo, poderiam, e seriam motivados a melhorarem os diplomas dos alunos, talvez com benefícios salariais. Sendo assim, todos, de forma justa e igualitária, teriam os melhores alunos e melhores diplomas.
Tyler demonstra que os melhores dos melhores professores receberiam entre 300 e 400 mil dólares anuais, uma média de 25 e 33 mil dólares mensais. Eles atrairiam estudantes através de suas pesquisas, ou com sua presença online nas mídias sociais, ou até mesmo ajudando os estudantes a negociarem cursos online de outras universidades. Os próprios alunos julgariam a eficácia destes investimentos. Os docentes também seriam pagos por mentorear os alunos, onde cada um escolheria um pequeno grupo de mentores para servi-los como guias ao sistema.
Aqui concordo integralmente com o autor. No quesito financeiro, deveríamos analisar, claro, os investimentos feitos, mas se possível, vejo como uma remuneração justa e eficiente. Veja: o objetivo é atrair o melhor dos melhores, e para tanto, a remuneração precisa ser compatível com o que oferece o mercado. Além disso, os melhores e mais qualificados professores recebendo mais que o restante serviria como motivação a estes, desde que, naturalmente houvesse requisitos claros e expostos sobre como ter salários nessa esfera. Além disso, tais professores receberiam esses valores por atraírem os melhores alunos, o que voltaria como outras fontes de renda para a universidade, tal qual como um excelente investimento.
Sobre o quesito mentoria, não há o que discordar. Grupos de mentores que auxiliassem os alunos seriam essenciais, já que aprender com quem já passou por aquilo e investe forte naquele assunto é uma das, se não a melhor forma de aprender. As experiências que os alunos teriam com os melhores docentes do ramo seriam impagáveis e de alta valia para seu futuro profissional e acadêmico.
Tyler Cowen, em seguida, afirma que sua universidade contrataria professores exclusivamente para modalidade de ensino online, muitos destes sendo de países mais pobres e recebendo salários menores. A ideia, segundo ele, é que os alunos tenham professores de francês que sejam senegaleses, por exemplo, ou ter um professor de ensino médio de Tamil Nadu (sul da Índia) ler suas redações e oferecer dicas. O autor conclui dizendo que é um grande propositor de aulas cara-a-cara, mas em sua universidade, a ideia de aulas onlines é muito válida, pois haveria, desta maneira, uma grande diversidade de culturas naquele ambiente, muito maior que nas universidades atuais. Naturalmente, nenhum desses professores estrangeiros teria que ter diplomas avançados.
Neste ponto, concordo e apoio integralmente a ideia do autor. A oportunidade de termos lições com professores das mais diferentes nacionalidades e culturas do mundo é algo esplêndido e pouco explorado atualmente. Nota-se que na grande maioria dos idiomas mundiais, são vários os países que os falam, logo, não há necessidade de aprendê-los apenas com os mais "famosos". A ideia de um professor de outro país, mesmo que fale o mesmo idioma que você, ler e avaliar seu trabalho também é sensacional, afinal é uma mente totalmente diferente da sua lendo sobre o mesmo assunto.
As aulas presenciais são exponencialmente melhores que as onlines, mas essas últimas têm grande valor e não podem ser descartadas, como vimos na pandemia do Covid-19. Além disso, visando o intercâmbio com pessoas que vivem a milhares de quilômetros de nós, não há melhor maneira de aprender. Por fim, já que não há a mesma exigência de currículos e experiências a esses professores internacionais que as requeridas aos professores presenciais, nada mais justo que salários menores. Contudo, num nível competitivo de mercado, e com metas que possam incentivá-los a receberem ainda mais. Ainda assim, não colocaria nenhum impeditivo para que esses mestres possam, se capazes e interessados, receber o mesmo tanto que um professor presencial, desde que naturalmente cumpram os mesmos requisitos.
Ainda no quesito intercâmbio de culturas na universidade, o economista propõe que em sua instituição, estudantes de todo o mundo seriam aceitos, e seriam cobrados uma taxa levemente acima do custo que eles trariam a universidade. O ingresso seria oferecido a qualquer um que conseguisse navegar por três meses de aulas moderadamente difíceis e pré-gravadas, a serem distribuídas online e gratuitamente.
Esses estudantes ficariam restritos às aulas onlines, com a possibilidade de uma suplementação de grupos de estudos locais ou algum curso semelhante em universidades em seus países. O diploma que esses receberiam indicaria que eles teriam recebido educação a distância, e naturalmente o mercado de trabalho avaliaria o quão "menos valioso" esses certificados seriam perante os demais. Se houvesse risco das provas onlines serem fraudadas, a universidade de Tyler obrigaria que os alunos fizessem provas de estatística, economia e escrita presencialmente e no país base, no caso dele, os EUA.
Quanto a ideia da taxa a ser cobrada e os pré-requisitos expostos, concordo integralmente com o autor. A taxa seria apenas para cobrir os custos advindos, mas com o mínimo possível de lucro para a universidade, de modo que seja um valor atrativo e viável para qualquer estudante do mundo, inclusive para os que moram em países mais pobres. Um desempenho numa média de 70% nas aulas disponibilizadas gratuitamente indicaria que o estudante é capaz de frequentar e acompanhar as aulas ofertadas pela universidade, ao passo que também motiva e prepara-os para o que viria.
Não vejo impedimento também para que esses estudantes fiquem restritos a versão online da universidade, mas incluiria a possibilidade de transferência para o presencial, inclusive com uma eventual ajuda de custo por parte da própria instituição. Nestes casos, haveria maiores e mais rigorosos requisitos, mas a possibilidade de atrair grandes mentes internacionais para o nosso país é algo extremamente subvalorizado e que traria inúmeros benefícios em curto e longo prazo.
O diploma naturalmente seria diferente dos demais, afinal o ensino prestado foi diferente. O mais provável é que esse seria desvalorizado diante do diploma de conclusão de curso presencial, porém, nota-se que este seria em sua maioria destinado a estudantes de países distantes, onde as condições de vida são teoricamente inferiores, logo, mesmo sendo inferior aqui, lá seria muito superior aos demais. Na minha visão, entretanto, poderia se estabelecer uma quantidade mínima de estudo presencial para que o diploma final seja indicativo deste método, remetendo a ideia supracitada dos interessados fazerem essa migração quando desejarem. Ao meu ver, o mínimo seria 60% de curso presencial.
Por fim, quanto à possibilidade de fraude nas avaliações online, a ideia proposta por Tyler Cowen é boa, e concordo com o autor que as matérias citadas (economia, estatística e escrita) seriam fundamentais ao desenvolvimento do estudante. Contudo, vejo que exigir que o estudante matriculado online venha até o país central da universidade para realizar sua última prova é um tanto quanto controverso. Talvez pudesse ser feita uma parceria com uma instituição de ensino do local do estudante para que ele preste esta prova por lá, ou ainda desenvolver métodos que dificultariam e muito qualquer fraude online. Ainda assim, a probabilidade de alguém fraudar até o mais seguro dos meios existe, logo, perder tempo e dinheiro combatendo algo tão “natural” do ser humano me parece desperdício. Veja, não é aceitar ou liberar tudo, mas sim ser razoável e plausível.
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