É legal a prisão de depoente em CPI?
O presente artigo busca analisar a juridicidade da prisão em flagrante, decretada no último 7 de julho pela presidência da CPI da Covid
No último dia 07 de julho, quarta-feira, o ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, foi preso em flagrante durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura possíveis desvios e omissões do governo federal na condução do combate à pandemia da Covid-19. A prisão restou decretada pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD - AM), sob fundamento de que o depoente praticou o crime de falso testemunho durante sua oitiva.
A referida prisão acabou ganhando destaques nas mídias do país nesta semana, especialmente em decorrência das dúvidas que surgiram acerca da legalidade do ato emanado pela presidência da CPI. Afinal, é legal a prisão de testemunha que presta informações em Comissão Parlamentar de Inquérito?
Para se compreender a validade de tal ato, deve-se, de imediato, constatar em que consiste a CPI e os poderes que ela possui. No caso, a referida comissão possui previsão no artigo 58, § 3º, da Constituição Federal, segundo o qual as CPIs serão criadas para a apuração de fato determinado que manifeste a possível ocorrência de alguma ilegalidade por parte de algum dos poderes da República. Para tanto, a comissão apresentará poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, podendo, assim, realizar as atividades necessárias para o alcance de sua finalidade.
Nesse sentido, dentre os poderes inerentes às CPIs, o de maior destaque consiste, justamente, nos depoimentos prestados por testemunhas e investigados perante o Parlamento. Ocorre que os poderes da comissão não se encerram nessas oitivas.
Dessa maneira, o entendimento acerca das atribuições e competências que a CPI pode exercer envolve, além da oitiva de testemunhas e investigados, a quebra de sigilos, tais como fiscal, bancário e de dados, convocação de Ministros de Estado e requisição de informações e documentos de repartições públicas, conforme preceitua o artigo 2º, da Lei Federal n. 1.579/1952.
Por outro lado, existem poderes que não são conferidos às CPIs, em decorrência da necessidade de se submeterem ao crivo do Poder Judiciário. Nesse contexto, sob fundamento de reserva de jurisdição, é vedado às CPIs, por exemplo, determinar busca domiciliar, interceptação telefônica, levantamento do segredo de justiça e decretação de indisponibilidades de bens. Ainda, em regra, às CPIs não compete expedir ordem de prisão.
Assim sendo, indaga-se: se somente ao Poder Judiciário compete determinar a ordem de prisão, como a presidência da CPI da Covid-19 realizou a prisão do ex-Diretor do Ministério da Saúde, Roberto Dias?
No caso, a validade de tal prisão encontra fundamento nos artigos 203 e 301, do Código de Processo Penal. Segundo este, qualquer pessoa pode determinar a prisão daquele que se encontre em flagrante delito, enquanto aquele prevê que a testemunha deverá fazer promessa de dizer a verdade sobre o que souber e lhe for perguntado. Em caso de violação a tal promessa, o Código Penal prevê o crime de falso testemunho (artigo 342), dispondo que fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade na condição de testemunha será cominada a pena de reclusão, de dois a quatro anos, além de multa.
Percebe-se, dessa forma, que a prisão empreendida pela presidência da CPI é válida justamente porque a lei estabelece a possibilidade de qualquer pessoa realizar a prisão daquele que se encontra em flagrante delito, sendo que, no caso de testemunhas de CPI, tal flagrância pode se manifestar a partir da prática de falso testemunho.
Expostas tais questões, o que se indaga (e é neste ponto que restam maiores dúvidas) é se a prisão em análise foi de fato uma medida necessária, proporcional e com amparo probatório. O próprio presidente da Comissão afirmou que em outras oportunidades houve testemunha que não estava prestando esclarecimentos condizentes com a verdade dos fatos, porém foi somente nesse caso que procedeu à prisão em flagrância.
Esses pontos ficarão, agora, a cargo dos órgãos competentes para investigação e julgamento de eventual ação penal que venha a ser ajuizada em face do depoente. Este, todavia, encontra-se em liberdade, após ter prestado fiança no importe de R$ 1.100,00 (um mil e cem reais).
De todo modo, em que pese a celeuma advinda do acontecimento de maior destaque da CPI da Covid na semana, deve-se ressaltar a importância das Comissões Parlamentares de Inquérito para a investigação de possíveis fatos ilegais ocorridos por parte do Poder Público, representando relevante e democrático instrumento de controle a cargo das Casas do Poder Legislativo.