O fim do Uber Rewards e o desinteresse das grandes empresas em fidelizar clientes
Domínio de mercado e o fim dos cupons de desconto
No último dia 13, recebi um e-mail da Uber informando que o programa de benefícios que eles têm, o Uber Rewards, será encerrado no próximo dia 31 de outubro. Para quem não conhecia, o programa garantia alguns benefícios, como descontos em corrida, proteção de valores em dinâmica e melhores motoristas, para quem acumulasse diferentes níveis, através de pontos conquistados por consumo da plataforma.
O anúncio do fim deste programa de fidelidade me fez pensar em como as grandes empresas, principalmente as de tecnologia que apareceram há não muito tempo no mercado, após conquista deste e construção de um quasi-monopólio, não precisam mais fidelizar, conquistar ou até mesmo retribuir o consumidor.
Veja, no caso do programa da Uber, aquele usuário que utilizava mais da plataforma, seja através do programa de viagens ou do extinto Uber Eats, era recompensado com benefícios exclusivos. Tratava-se de uma recompensa da plataforma para os usuários mais fiéis, além de uma tentativa de conquistar e fidelizar os que ainda não usavam o app com frequência, ou dividiam seu uso com aplicativos rivais.
Ocorre que as táticas predadoras utilizadas por essas startups, como preços absurdamente baixos e promoções boas demais para serem verdade, surtiram tanto efeito para a dominação do mercado por estas empresas, que hoje, financeiramente falando, não faz sentido buscar fidelizar o cliente ou ao menos recompensa-lo. Afinal, é óbvio que todos utilizarão os apps mais conhecidos para se locomoverem ou pedirem comida, afinal, não há qualquer competição, não há outra possibilidade, é "A" ou "A".
Não há dúvidas que o advento deste tipo de tecnologia foi e é extremamente benéfico para toda a população. Nunca foi tão fácil ir de um ponto A para ponto B, muito menos ter sua comida favorita entregue no seu endereço em questão de minutos, tudo isso por um preço baixo, definitivamente mais baixo com o que estávamos acostumados. O problema é que, como não deve ser novidade para ninguém, estas plataformas utilizaram de todos os mecanismos possíveis para entregarem preços tão fora da média e serem tão assertivas no mercado.
O Uber, por exemplo, como revelou matéria do The Guardian (matéria do G1 sobre) há não muito tempo, subornou e ameaçou políticos em todo o mundo, obrigando-os a aceitarem suas imposições e restringirem limites legais para o funcionamento do aplicativo. Ainda, através do influxo de capital dos mais diversos investidores, a companhia conseguia aplicar preços baixíssimos e mesmo assim se sustentar, mesmo apresentando anos sequenciais de prejuízos financeiros.
Já o iFood, talvez a outra startup tão conhecida como Uber no Brasil, é notória por fazer tudo ao seu alcance para pagar o menor valor possível aos seus entregadores, ao passo que extorque, através de taxas altamente abusivas, os restaurantes parceiros. Em abril desse ano, uma matéria revelou como a empresa de entrega de comidas criou uma baita campanha de marketing para sabotar qualquer movimento dos trabalhadores que pudesse sequer ameaçar a fama ilibada e domínio estrutural do aplicativo.
Naturalmente, ao imaginar todas as empresas que conhecemos e consumimos atualmente, são raras as que oferecem programas de desconto e demais benefícios a clientes regulares. É preciso ressaltar, também, que o programa de recompensas da Uber durou por muito tempo, mesmo após dominação do mercado. O iFood, por outro lado, segue oferecendo cupons de desconto (considerando que você siga uma série de regras impostas pela plataforma), e até mesmo programas de fidelidade com determinados restaurantes. Entretanto, estamos vendo com cada vez mais frequência empresas adquirindo um controle exacerbado do mercado em que atuam, prática esta que não beneficia ninguém além dos executivos de alto escalão.
O fim de programas como o Uber Rewards é mais um sintoma de como regras antitruste e antimonopólios, bem como os órgãos que as aplicam, tem falhado nos últimos anos. Numa tentativa de desregular - algo bom, diga-se de passagem - permitimos que multinacionais dominem mercados essenciais, como transporte e alimentação. Na medida em que políticos são comprados ou obrigados, a população em geral fica à mercê de situações exploradoras. Os trabalhadores, que com índices de desemprego altíssimos, buscam qualquer tipo de emprego informal para manter a comida na mesa, são explorados além de limites humanos, tudo a benefício único e exclusivo dos supracitados executivos.
Como dito anteriormente, são inegáveis os benefícios que estas empresas trouxeram para todos, muito além dos executivos. Contudo, a partir do momento em que uma delas, e no caso atual praticamente todas, adquirem um domínio de mercado, tais benefícios deixam de existir. Os motoristas/entregadores, visando retornos justos para seu trabalho, burlam ou exploram quaisquer brechas no aplicativo, o que prejudica diretamente os consumidores, que em resposta, fazem o mesmo. Nessa constante e inesgotável briga, perde todo mundo. Como não há para onde correr, já que não há competição nesse meio, todos continuamos a alimentar esse duelo, encontrando cada vez mais maneiras de levar vantagem.