O Super Poder das Redes Sociais
Como estamos dando poderes demais para as redes sociais controlarem a narrativa e por que isso é um problema maior que parece
Em recente pesquisa feita pelo instituto Datafolha, 60% dos entrevistados afirmaram acreditar que a circulação de fake news pode influenciar muito no resultado das próximas eleições. Na mesma pesquisa, foi perguntado sobre a exclusão destas publicações falsas relacionadas às eleições, onde, então, 81% dos entrevistados responderam que as redes sociais devem excluir as publicações falsas o mais rápido possível.
É inegável que as fake news possuem um grande impacto em toda a sociedade, não só em períodos de eleições. Como não lembrar do Pizza Gate, ou quando uma mulher foi linchada no estado de São Paulo em 2014 por ter sido confundida com uma suposta sequestradora de crianças após um retrato falado da verdadeira criminosa ter sido indevidamente divulgado nas redes sociais.
Desta forma, parece lógico desejar que as redes sociais, os grandes veículos por onde tais notícias são divulgadas, façam o máximo para coibir esse tipo de comportamento e evitar mais casos assustadores como esses. Contudo, é preciso ter cuidado.
Em 2018, o Facebook fechou parceria com as agências Lupa e Aos Fatos para que estas chequem postagens feitas na plataforma. As agências têm acesso às notícias denunciadas como falsas pela comunidade no Facebook para analisar sua veracidade. Os conteúdos classificados como falsos terão sua distribuição orgânica reduzida de forma significativa no Feed de Notícias. Páginas no Facebook que repetidamente compartilharem notícias falsas terão todo o seu alcance diminuído.
Tudo isso parece muito bonito, interessante e seguro, mas não podemos nos esquecer que qualquer empresa, principalmente do tamanho do Facebook, faz as coisas unicamente visando o próprio interesse. Não se engane, atitudes e parcerias como essas não são fechadas para que o mundo se torne melhor ou a experiência do usuário seja mais benéfica ao utilizar as plataformas.
Por ser uma empresa publicamente negociada nas Bolsas de Valores, o compromisso da empresa é único e exclusivo aos seus investidores, que desejam sempre o maior lucro possível. Logo, não há o que se falar em benefício primário aos usuários, já que o motivo pelo qual parcerias como essas são realizadas é agradar o mercado e os investidores, aumentando, então, o preço das ações.
De qualquer forma, isso não significa diretamente que as agências de checagem prestam um serviço ruim ou de certa forma um desserviço, nem mesmo que a plataforma piore, já que o objetivo primário é o interesse apenas dos investidores. É fato, a sinalização de notícias notadamente falsas, bem como a redução da influência das páginas que as compartilham, são atos produtivos a quem usa as redes sociais. Contudo, reitero: tudo é feito visando o maior lucro e bem da empresa, da rede social, não de seus usuários. Muitas vezes os interesses se entrelaçam, mas nem sempre, e é aí que precisamos nos cuidar.
Em estudo publicado em 2022, o autor Rafael Durán buscou analisar o impacto que o policiamento dos discursos de ódio nas redes sociais traz tanto aos usuários quanto a rede em si. Durán, em experimentos realizados no Twitter, constatou que:
“Denunciar aleatoriamente postagens por violar as regras contra conduta de ódio aumenta a probabilidade de que o Twitter as remova. A denúncia não afeta a atividade na plataforma dos autores das postagens ou sua probabilidade de repostar ódio, mas aumenta a atividade daqueles atacados pelas postagens.
Esses resultados são consistentes com um modelo em que a moderação de conteúdo é uma decisão de qualidade para plataformas que aumenta o engajamento do usuário e, consequentemente, a receita publicitária.
O segundo experimento mostra que alterar a remoção de conteúdo percebida pelos usuários não altera sua disposição de pausar o uso das mídias sociais, uma medida do excedente do consumidor. Meus resultados implicam que a moderação de conteúdo não necessariamente modera os usuários, mas aumenta marginalmente a receita de publicidade.” Sem grifo no original
Ora, o estudo publicado por Rafael serviu para mostrar empiricamente como a moderação do conteúdo postado nas redes sociais aumenta o engajamento de todos os usuários, os autores ou vítimas dos discursos propagados, e invariavelmente, isto traz maiores recursos financeiros às empresas. Ainda que o objeto do estudo não tenha sido especificamente a análise de divulgação de fake news propriamente ditas, não é errôneo interpretar que o grande interesse de sites como Facebook e Twitter em coibir a propagação das notícias falsas é aumentar o engajamento dos usuários, e, consequentemente, o faturamento empresarial.
Observe que como já dito anteriormente, o objetivo primário das redes sociais nunca foi criar um ambiente mais ameno ou confiável, mas sim fazer de tudo para que mais pessoas utilizem estes meios de comunicação e o lucro dos donos sobre seja ainda maior.
Sendo assim, precisamos voltar ao subtítulo deste texto: “como as redes sociais controlam a narrativa”. Sabendo que uma porcentagem altíssima da população consome suas notícias através destes veículos, e estes possuem interesses próprios acima de quaisquer outros, não devemos nos esquecer de que a narrativa, então, passa a ser ditada por quem controla as redes sociais. A narrativa é escolhida de acordo com o que mais pode aumentar as receitas.
Logo, se quem controla a narrativa do que é verdade ou não é quem deseja ter mais lucro, por que devemos confiar e dar tanto poder à essas instituições? Por que as redes sociais devem excluir imediatamente o que elas determinarem falso? Não se engane, são empresas parceiras que analisam e julgam o verdadeiro e falso, muitas vezes com fontes confiáveis, mas há sempre o interesse do Facebook em primeiro lugar. Na dúvida, prevalece o interesse da empresa.
Evidentemente que há casos em que a propagação descontrolada deste tipo de notícia é extremamente maléfica à população, como nos dois casos citados acima. Contudo, não podemos nos embasar em poucos e isolados casos para dar tamanho poder a veículos que não tem sede principal no Brasil e não respondem a nenhum brasileiro, mas somente a sua mesa de diretores, formados por pouquíssimas das mais poderosas pessoas do mundo.
A crítica apresentada neste texto não é que o Estado ou as redes sociais não devem agir para coibir a propagação de fake news, sejam elas relacionados ao período de eleições ou não, mas sim que a busca pelo controle tem se tornado tão incessante que estamos perdendo a noção do poder que damos a seletos grupos da sociedade. Hoje pode parecer interessante que o Facebook, por exemplo, limite o alcance de uma postagem que fira os interesses nacionais, mas o que impede a rede social de, no futuro, limitar o alcance de um post que defenda os interesses brasileiros, mas vá contra os interesses internacionais ou propriamente da empresa?
Dito isso, há várias medidas adotadas pelas redes sociais que julgo extremamente válidas e interessantes que buscam coibir a propagação das redes sociais. Medidas essas que não necessariamente cerceiam a liberdade de comunicação das pessoas, nem mesmo garantem ainda mais controle às empresas. Como exemplo, cito o Whatsapp, que há tempos vem implementando medidas como limitar o encaminhamento de mensagens para apenas um grupo por vez. Veja que, neste caso, pouco interessa o conteúdo compartilhado, e as pessoas podem tranquilamente compartilhar para quantos grupos desejarem, mas apenas um por vez. Este tipo de medida visa frear e aumentar o desinteresse em compartilhar qualquer coisa pelo simples ato de compartilhar, ao mesmo tempo que não confere ao app poder de análise e controle do que as pessoas mandam umas às outras.
Não sejamos ingênuos, o Whatsapp é controlado pela Meta, mesma empresa que controla o Facebook, portanto, nada dito aqui é um ataque direcionado a uma só rede social, apenas citei as que possuem mais usuários e estão mais em evidência, principalmente no Brasil.
Ainda, é preciso ser justo e defender as redes sociais, que apresentam ao usuário um extenso Termo de Regras que precisa ser aceito por cada um antes de começar a utilizar a plataforma. Neste, todo usuário aceita que está sob as regras impostas pelas redes sociais. Evidentemente que o Estado deve verificar, no limite de seus poderes, tais termos, para que as pessoas não sejam obscuramente abusadas. Não obstante, o argumento de que as regras são apresentadas é um pouco vazio, já que ninguém gostaria de ficar de fora de uma plataforma que todos utilizam por não concordar com uma linguagem escrita por pessoas cuja única função é escrever algo que a pessoa média não será capaz de entender, ou que a interpretação esteja totalmente favorável a quem escreveu.
Por fim, saliento novamente que, na ideia, tudo está correto. É preciso que notícias falsas sejam coibidas, pois trazem inúmeros problemas a todos. Sendo as redes sociais os grandes veículos de comunicação da sociedade moderna, é óbvio que estas devem atuar para que as fake news não sejam compartilhadas, ou que, se forem, os responsáveis sejam punidos. Contudo, é preciso que todos estejamos atentos aos poderes que nós mesmos estamos conferindo a estas multinacionais, quando concordamos que elas controlem tudo que é dito em suas plataformas, e que elas contratem empresas para realizarem este controle. O Estado, também, deve atuar, tanto limitando os poderes das redes sociais de controlarem a narrativa, quanto dentro de seus poderes, sem que haja uma inversão de ideias e que um ou mais dos três poderes cerceie a liberdade individual, pois uma pessoa ou um grupo de membros destes poderes não concorda com o que está sendo dito.
Da mesma forma que você se preocupa por onde consome suas notícias, sejam telejornais, jornais escritos, websites, blogs etc., atente-se ao que é divulgado e principalmente julgado como verdadeiro ou falso pela rede social que você mais usa. Lembre-se: quem está no controle não está em evidência, sempre se atente ao o que você está acreditando e comprando.
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