Vale a pena nascer de novo?
Se você pudesse escolher ter outra vida, mas não escolher onde nascer, o que faria?
Se você está lendo isso, você muito provavelmente já tem a vida melhor que 40,5% da população mundial ou que 30,27% da população brasileira. Sendo assim, pergunto: estatisticamente, valeria a pena “arriscar nascer de novo”? Já que não possuímos qualquer controle sobre onde e como nascemos, e partindo do pressuposto que somos “jogados” aleatoriamente em qualquer parte do mundo, quais as chances de você nascer em um lugar no mínimo de iguais condições que você já vive ou nasceu?
Antes de entrarmos nas análises estatísticas, deixa-se claro que nascer num lugar “bom” ou “ruim” não implica necessariamente que o resto da sua vida será bom ou ruim, já que oportunidades iguais têm aumentado ao redor do mundo, além do fato que nascer numa família rica num país pobre quase sempre será melhor que nascer numa família pobre num país rico. Ademais, parte-se de um viés totalmente imaginário que os bebês são feitos em algum lugar externo ao mundo e que nascem aleatoriamente em qualquer parte do planeta.
De modo a julgar de forma objetiva, levaremos em conta o Brasil como padrão nas análises a seguir. Ou seja: considerar-se-á como satisfatório nascer no Brasil ou em qualquer um dos países que se posicionar acima nos rankings infra mencionados.
Da qualidade de vida
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), qualidade de vida é “a percepção de um indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistemas de valores em que vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.”
O problema dessa definição é que ela dificulta qualquer quantificação objetiva. Portanto, utilizaremos de alguns padrões econômicos que ajudam nessa compreensão.
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
Segundo a Wikipedia, IDH nada mais é que:
uma medida comparativa usada para classificar os países pelo seu grau de “desenvolvimento humano” e para ajudar a classificar os países como desenvolvidos (desenvolvimento humano muito alto), em desenvolvimento (desenvolvimento humano médio e alto) e subdesenvolvidos (desenvolvimento humano baixo). A estatística é composta a partir de dados de expectativa de vida ao nascer, educação e PIB (PPC) per capita (como um indicador do padrão de vida) recolhidos em nível nacional.
Em relatório divulgado em 2020, o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas elencou apenas 66 (de um total de 193 reconhecidos pela ONU) países como aqueles que possuem índices de desenvolvimento humano muito alto. Para ser mais justo, vamos analisar outra tabela do mesmo relatório, que dessa vez analisa os países também levando em conta a desigualdade. Nesse caso, 91 países têm pelo menos índice de desenvolvimento humano considerado médio. A título de curiosidade, o Brasil está em 88º, atrás de países como Venezuela (82º), Palestina (74º) e Cazaquistão (39º).
Nesse sentido, se 91 países de 193 têm o IDH considerado médio, e isso é satisfatório (ora, vivemos no Brasil e estamos vivos, não?), então a chance de você nascer em um destes países é de 47,15%. É estatisticamente mais provável que você nasça num país com IDH menor que médio que o contrário.
Para se ter uma ideia, nos últimos 28 anos, apenas quatro países (Noruega, Japão, Islândia e Canadá) figuraram entre os líderes do ranking de maior IDH do mundo, sendo que a Noruega, atual líder, mantém sua posição desde 2007.
Relatório Mundial da Felicidade
O Relatório Mundial da Felicidade é uma publicação da Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que através de uma pesquisa feita com os cidadãos de cada país elenca a felicidade de seus habitantes. Nesta pesquisa, é pedido que os entrevistados pensem em uma escala de 1 a 10, onde 1 é a pior vida possível e 10 a melhor possível. Então, é pedido que eles julguem a vida deles de 1 a 10.
Para completar o ranking, é medido também o PIB per capita, o suporte social, a expectativa de vida, a liberdade para fazer escolhas na vida, generosidade e percepções de corrupção. Todos os itens são obtidos através de pesquisa.
No ranking divulgado em 2020, os números são médias dos resultados obtidos entre 2017 e 2019. Apenas 150 países participam da pesquisa. Utilizando como parâmetro o Brasil — o que é complicado, pois estamos na frente de países como Chile, Japão e Coreia do Sul, mas atrás de países como Guatemala e Arábia Saudita — podemos dizer que há 32 países com desempenho satisfatório, de um total de 150. Logo, a chance de você nascer em um destes países é de apenas 21,33%.
Qualidade do sistema de saúde
Esse é o ranking mais difícil de ser analisado. Existem diversas linhas de pesquisa e cada uma decide quais atributos analisar de cada país para montar uma tabela. Por isso, vamos utilizar o artigo de Schütte et al, que ao analisar três rankings conhecidos determinou como o mais completo o elaborado pela OMS e lançado em 2000, disponível aqui.
Neste ranking da OMS, o Brasil se encontra em 125º de 191 países analisados. Considerando como satisfatório todos os países do Brasil em diante, pode-se dizer que você teria 65,44% de chances de nascer em um lugar bom.
Dos dados financeiros
Alguns dados financeiros dos países podem ser utilizados para medir a qualidade de vida de sua população, como PIB per capita. Vamos analisá-lo a seguir para entendermos onde vale a pena nascer.
Produto Interno Bruto per capita
Segundo a Wikipedia, entendemos por PIB, e em sequência PIB per capita, o seguinte:
O produto interno bruto (PIB) representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região (quer sejam países, estados ou cidades), durante um período determinado (mês, trimestre, ano etc.). Os indicadores econômicos agregados (produto, renda, despesa) indicam os mesmos valores para a economia de forma absoluta. Dividindo-se esse valor pela população de um país, obtém-se um valor médio per capita.
O ranking é elaborado por, dentre outros, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e as Nações Unidas (ONU). Como o mais atualizado é o feito pelo FMI, utilizaremos esse em nossa análise. Aqui você encontra os três juntos.
No ranking do Fundo Monetário, o Brasil se encontra em 82º de 189 países. Sendo assim, há 43,38% de chances de nascer num país com PIB per capita satisfatório.
Do índice Where to be Born
Em 2013 a Economist Intelligence Unit, divisão de pesquisas da Economist Group, divulgou um índice em que se calculou os dados de 80 países utilizando 10 fatores de qualidade de vida, além de previsões futuras do PIB per capita destes locais para determinar o resultado de cada país.
Nesse ranking, o Brasil se encontra em 39º. Portanto, as chances de você nascer em um país ideal para nascer, partindo do parâmetro brasileiro, são de 48,75%.
Conclusão
Dos índices observados, apenas um teve porcentagem maior que 50% (Qualidade Do Sistema De Saúde). Não coincidentemente, é o índice mais difícil de se analisar dado a diversidade de pesquisas e variações de parâmetros apresentados por cada uma.
O dado que mais chama a atenção talvez é o que trata da felicidade, onde as pesquisas indicam uma chance de apenas de 21% de você nascer em um país onde as pessoas se consideram felizes.
A conclusão que tiro da curta análise é que o risco é muito alto de nascer num país onde você não tenha as condições ideais de ter uma vida no mínimo satisfatória. Todos que estamos lendo esse texto “tiramos a sorte grande” por assim dizer, embora enfrentemos inúmeros empecilhos diariamente. Contudo, reitero que nascer num local não tão propício não está diretamente relacionado a qualidade de vida que você terá, afinal, cada vez mais temos observados mais pessoas tendo mais oportunidades, principalmente nos países emergentes.
Já em um viés mais filosófico e talvez um pouco elitista, a vida é tão prazerosa, mesmo com tantos obstáculos, que ter uma segunda chance de viver, onde quer que seja, parece ser parte de um sonho.
A pergunta inicial é extremamente complexa e dá margem para inúmeras interpretações. Como exposto no início, a ideia é apenas pensar com algumas estatísticas que auxiliam. Como também demonstrado em algumas partes do desenvolvimento, boa parte dos índices utilizados possui diversas variações, sejam de agências que realizam as pesquisas até de períodos que podem mudar e muito alguns dados (vide Covid).
Obs.: o texto original foi escrito por mim em abril de 2021 e você pode encontrá-lo aqui. Essa é uma versão com poucas alterações que não alteram significativamente o trabalho original.